sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Conto "O Banco da Memória" in Quem conta um conto... Antologia de Contos, da editora Notag

 



Deixo aqui um pequeno trecho do conto que publiquei nesta antologia como sugestão de leitura:

«Na vila serena de Aguiar da Beira, onde os dias escorriam lentos ao compasso dos sinos da igreja e os pardais pareciam murmurar segredos ao vento, erguia-se um banco de jardim discreto, mas fiel testemunha do passar do tempo. Feito de madeira gasta e tinta descascada pelo sol e pela chuva, as pessoas gostavam de aí descansar, sob a sombra acolhedora de um velho plátano. Aquele era o trono diário do senhor Manuel, um ancião de setenta e nove primaveras, sempre de chapéu castanho pousado como uma coroa na cabeça, e com um jornal dobrado, mais por hábito do que por leitura.

Os jovens passavam por ele com pressa, os olhos mergulhados nos ecrãs e os ouvidos abafados pelos auscultadores. Os idosos, muitos já desaparecidos ou encerrados nas suas casas, eram memórias ambulantes que raramente se deixavam ver. Manuel estava só, mas a solidão não lhe pesava. Observava o mundo em silêncio, escutava o rumor do tempo e, sobretudo, recordava. Cada folha caída trazia-lhe de volta um rosto, uma voz, uma rua que já não existia senão na sua memória.

Numa manhã dourada de outono, Carolina, uma rapariga de catorze anos de olhos curiosos e passos leves, interrompeu a rotina. Ia a caminho da escola, como sempre, mas nesse dia algo a fez parar: talvez a forma como o sol repousava sobre o velho chapéu, ou o semblante sereno de quem guarda segredos ancestrais. Sentou-se no banco, respeitando a distância, e lançou um tímido "bom dia".

O senhor Manuel ergueu os olhos, surpreso, e respondeu com um aceno e um sorriso que parecia conter uma história inteira. O silêncio entre ambos durou alguns instantes, entreolharam-se como dois viajantes que se encontram em margens opostas do mesmo rio. Carolina, levada por um impulso inexplicável, perguntou:

— Gosta de ler o jornal?

Ele pousou os olhos sobre o papel, como se o visse pela primeira vez, com a estranheza de quem reconhece algo que já não lhe pertence inteiramente.

— Leio menos do que recordo, menina. Há verdades que os jornais jamais saberão narrar.

Carolina franziu o sobrolho, inclinou ligeiramente a cabeça, curiosa:

— Como quais?

O senhor Manuel encostou-se ao encosto do banco, cruzou as mãos sobre o jornal e deixou escapar um leve suspiro, como se estivesse a abrir uma arca antiga.

— Como o cheiro a pão quente que saía da padaria do senhor Amândio, às cinco da manhã. Nenhum jornal alguma vez escreveu sobre isso, mas era esse cheiro que anunciava o dia à vila, muito antes do sino da igreja. Ou a forma como a minha mãe assobiava sempre que pendurava a roupa — não era uma melodia conhecida, era só dela. No entanto, naquele assobio cabia o mundo inteiro.»

(continua...)

Para aquisição da antologia, aqui deixo o link da editora:

Notag - Edição de Livros de Autor


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