sexta-feira, 29 de julho de 2011

Lenda da Cabicanca




   Há muito, muito tempo, a vila de Aguiar da Beira tinha uma igreja dedicada a S. Pedro, onde o povo regularmente se reunia para assistir à eucaristia.
   Os dias iam passando normalmente, com as pessoas entretidas com as lidas do quotidiano.
   Até que, certo dia, começou a ser visto um enorme pássaro a fazer o seu ninho na torre dessa mesma igreja. Como esta espécie era desconhecida na região, a população andava muito assustada, tendo mesmo deixado de frequentar a igreja. Algumas pessoas mais temerosas chegaram mesmo a pensar que isto era um sinal do fim do mundo!
   Assim, com o afastamento dos paroquianos da igreja de S. Pedro, o povo começou a construir uma nova igreja, onde ainda hoje os fiéis se reúnem para assistir à missa, dedicada a S. Eusébio, talvez por este ter sido muito persistente e devoto nas suas lutas, protegendo sempre os que nele buscavam consolo.
   Mas nem com a edificação da nova igreja os temores do povo se acalmaram.
   Sempre que a população via a horrível ave, que mais não era do que uma cegonha, as gentes da terra apontavam na direção do seu enorme bico e exclamavam:
   – Que bicanca, meu Deus, que bicanca!
   O povo foi vivendo este tormento até que um certo almocreve de Trancoso, de nome Martinho Afonso e com a alcunha de “Escorropicha”, resolveu a questão, mas não sem antes despejar pelas goelas abaixo uns
valentes copos de vinho.
   Ajudado pela bebida e sendo homem de alguma coragem, pegou numa espingarda e desferiu um tiro certeiro na “cabicanca”. A valente ave não resistiu e, ferida de morte, estatelou-se no chão, pondo fim aos temores do povo.
   Quanto ao Escorropicha, este tornou-se um herói, sendo recompensado com muita e boa pinga, como era de prever.
   Para que esta história nunca se perdesse, ela foi passando de boca em boca e os Aguiarenses acabaram por adotar carinhosamente a alcunha de “Cabicancas".