sábado, 13 de setembro de 2025

Os benefícios da leitura

 

Os benefícios da leitura

Nenhum escritor gosta de escrever sem antes gostar de ler. A leitura é o ponto de partida da escrita e de qualquer forma de expressão mais elaborada. Ler alimenta a imaginação, amplia o vocabulário e oferece modelos de linguagem e de pensamento que inspiram novas criações. Além de ser essencial para quem escreve, a leitura é uma atividade fundamental para o desenvolvimento humano, pois contribui para a formação intelectual, emocional e social dos indivíduos. Mais do que apenas decifrar palavras, ler é compreender, interpretar e atribuir sentido ao mundo que nos rodeia. Quando praticada com regularidade, a leitura traz inúmeros benefícios que se refletem no desempenho escolar, na capacidade de comunicação, na criatividade e no fortalecimento do pensamento crítico.

Do ponto de vista cognitivo, a leitura estimula diversas áreas do cérebro relacionadas à linguagem, memória e atenção. Ao ler, o cérebro cria novas ligações neurais e fortalece as já existentes, o que melhora a plasticidade cerebral e amplia a capacidade de aprendizagem. Além disso, os leitores frequentes desenvolvem um vocabulário mais rico e uma maior facilidade para compreender textos complexos, argumentar e resolver problemas.

A leitura também traz benefícios emocionais e sociais. As obras literárias, por exemplo, permitem ao leitor colocar-se no lugar das personagens, reconhecendo e compreendendo diferentes emoções e pontos de vista. Esse processo favorece o desenvolvimento da empatia, do respeito à diversidade e da tolerância. Ler pode ainda aproximar as pessoas, fortalecendo laços familiares e comunitários e promovendo a participação social.

No contexto educacional, a leitura é um elemento central. Ela possibilita que os alunos compreendam e analisem informações, participem em debates e exerçam a sua cidadania de forma consciente. Os programas de incentivo à leitura desenvolvidos nas bibliotecas escolares têm mostrado resultados positivos no rendimento académico e no envolvimento social dos jovens. Por isso, estimular o hábito da leitura desde a infância é essencial para formar cidadãos críticos, criativos e participativos.

Em suma, a leitura é um instrumento poderoso de transformação pessoal e social. Ela contribui para o desenvolvimento cognitivo, fortalece as competências socioemocionais e promove uma sociedade mais informada e solidária. Investir no acesso à leitura e incentivar esse hábito são passos fundamentais para construir um futuro mais justo e consciente para todos.



sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Conto "O Banco da Memória" in Quem conta um conto... Antologia de Contos, da editora Notag

 



Deixo aqui um pequeno trecho do conto que publiquei nesta antologia como sugestão de leitura:

«Na vila serena de Aguiar da Beira, onde os dias escorriam lentos ao compasso dos sinos da igreja e os pardais pareciam murmurar segredos ao vento, erguia-se um banco de jardim discreto, mas fiel testemunha do passar do tempo. Feito de madeira gasta e tinta descascada pelo sol e pela chuva, as pessoas gostavam de aí descansar, sob a sombra acolhedora de um velho plátano. Aquele era o trono diário do senhor Manuel, um ancião de setenta e nove primaveras, sempre de chapéu castanho pousado como uma coroa na cabeça, e com um jornal dobrado, mais por hábito do que por leitura.

Os jovens passavam por ele com pressa, os olhos mergulhados nos ecrãs e os ouvidos abafados pelos auscultadores. Os idosos, muitos já desaparecidos ou encerrados nas suas casas, eram memórias ambulantes que raramente se deixavam ver. Manuel estava só, mas a solidão não lhe pesava. Observava o mundo em silêncio, escutava o rumor do tempo e, sobretudo, recordava. Cada folha caída trazia-lhe de volta um rosto, uma voz, uma rua que já não existia senão na sua memória.

Numa manhã dourada de outono, Carolina, uma rapariga de catorze anos de olhos curiosos e passos leves, interrompeu a rotina. Ia a caminho da escola, como sempre, mas nesse dia algo a fez parar: talvez a forma como o sol repousava sobre o velho chapéu, ou o semblante sereno de quem guarda segredos ancestrais. Sentou-se no banco, respeitando a distância, e lançou um tímido "bom dia".

O senhor Manuel ergueu os olhos, surpreso, e respondeu com um aceno e um sorriso que parecia conter uma história inteira. O silêncio entre ambos durou alguns instantes, entreolharam-se como dois viajantes que se encontram em margens opostas do mesmo rio. Carolina, levada por um impulso inexplicável, perguntou:

— Gosta de ler o jornal?

Ele pousou os olhos sobre o papel, como se o visse pela primeira vez, com a estranheza de quem reconhece algo que já não lhe pertence inteiramente.

— Leio menos do que recordo, menina. Há verdades que os jornais jamais saberão narrar.

Carolina franziu o sobrolho, inclinou ligeiramente a cabeça, curiosa:

— Como quais?

O senhor Manuel encostou-se ao encosto do banco, cruzou as mãos sobre o jornal e deixou escapar um leve suspiro, como se estivesse a abrir uma arca antiga.

— Como o cheiro a pão quente que saía da padaria do senhor Amândio, às cinco da manhã. Nenhum jornal alguma vez escreveu sobre isso, mas era esse cheiro que anunciava o dia à vila, muito antes do sino da igreja. Ou a forma como a minha mãe assobiava sempre que pendurava a roupa — não era uma melodia conhecida, era só dela. No entanto, naquele assobio cabia o mundo inteiro.»

(continua...)

Para aquisição da antologia, aqui deixo o link da editora:

Notag - Edição de Livros de Autor


terça-feira, 2 de setembro de 2025

"Amor traiçoeiro", de António Carvalho, no livro _Porto, uma cidade com alma.

 

Destaco aqui outro conto da coletânea Porto, uma cidade com alma, da Chiado books


Amor traiçoeiro

 

Chegado à Ribeira do Porto, lá estava ela toda lustrosa e sorridente, à sua espera, na borda do cais dos Guindais. Eva assim costumava proceder, duas ou três vezes por semana, logo que divisasse o barco de Abel, ao longe, carregado de carqueja ou carvão de choça.

Eva agenciava as carquejeiras que Abel lhe solicitava, as quais carregavam, desde os Guindais até à cota alta da cidade, penosamente, pela calçada da Corticeira acima, feixes de carqueja de duas ou três arrobas, mais volumosos que o seu próprio corpo.

Abel, em 1944, era um fornecedor de carqueja, lenhas de diversa natureza, madeiras e carvão de choça, à cidade do Porto. Conquanto houvesse já uma estrada de ligação entre a sua freguesia de Emendadas e a cidade, continuava a ser economicamente mais favorável o transporte dessa matéria prima, por barco, especialmente quando provinha da área florestal marginal ao rio. Era um barco de carga, algo semelhante ao rabelo, o qual se designava por rabão.

Em 19 de Junho desse ano, Abel, então com 44 anos, fazia mais uma das suas inúmeras viagens, entre a sua freguesia de Emendadas e a cidade do Porto, empoleirado na proa do seu rabão. Governavam a embarcação três tripulantes. Um deles, o que se encarregava da espadela, mais velho, por isso mais afoito, espicaçou Abel, ultimamente muito introvertido e tristonho:

- Ó Ti Abel, você vai aí a cismar… não cisme homem! Quando chegar ao Porto, lá tem a carquejeira à sua espera !

Abel, olhando à consideração que tinha por aquele tripulante, aceitou-lhe a ousadia, coisa que não aceitaria de nenhum dos outros, porém, achou dever corrigi-lo, nestes termos:

-Sabes Delfim, desde que me morreu a minha, só penso nos meus dois filhinhos órfãos de mãe, cuidados por tias. E a Eva não é nenhuma carquejeira, até é uma senhora muito bem posta.

Abel, na verdade, desde que lhe morrera a esposa, do parto distócico do segundo filho, intermediava a sua solidão com noites de encantamento desabrido nos braços da espevitada Eva, numa casinha que tinha numa ilha das Fontainhas. Por isso não tinha gostado que Delfim a apodasse de carquejeira, mulher pobre, sem eira nem beira. Eva não era nenhuma carrejona, sabia ler, escrever e apontar, num livrinho de capas pretas, as cargas que cada carquejeira transportava. Ademais, alfaiava-se como uma senhora da cidade, no modo como se vestia e calçava e até como empinava o nariz.

Chegado ao Porto, Abel, logo que o seu rabão encostou ao cais, saiu borda fora, ao encontro de Eva que o esperava ansiosa. Nos últimos minutos que precederam o seu desembarque tinha feito as últimas recomendações ao Delfim, enquanto dava uns retoques no cabelo desalinhado pela brisa do rio, guiado por um pequeno espelho redondo que ultimamente trazia sempre consigo, no bolso do casaco de onde tirara o pente. Seguiram ambos de braço dado, na direção da estação de S. Bento, parando junto de um dos engraxadores que pregoavam o seu serviço em clara competição. Abel, desde que enviuvara, tornara-se mais vaidoso, e não entrava na casa de Eva sem dar aos sapatos uma cara nova.

Cuidadosamente escondidos no forro do casaco, levava quinze contos, para sinalizar um grande negócio de lenha em Avintes. Esperá-lo-ia, no dia seguinte, o vendedor, na freguesia do outro lado do rio, alguns quilómetros a montante do Porto. Seria o maior negócio de sempre, o mais rendoso de todos, para Abel, se se consumasse.

Tinham dado a volta por S. Bento, Rua de S. António e Praça da Batalha, numa estratégia engendrada por Eva, visando conseguir de Abel a oferta de alguma peça da moda. Mas Abel, que trazia o dinheiro contado para o negócio, resistiu à tentação. Ademais precisava de lhe juntar tanto quanto o que trazia para perfazer a quantia do sinal estabelecido. Que se contivesse, porque se o negócio lhe corresse bem, nada lhe faltaria.

Eva não era de desistir à primeira recusa. Havia de o tentar de novo, logo que entrassem na sua modesta mas asseada casinha da ilha. Aí, como quase sempre acontecia, havia de lhe quebrar o bom senso, quando o levasse ao zénite da sofreguidão sexual.

Mal transpuseram a porta da casa, fecharam-na como se fugissem de alguém e logo se sentaram no bordo da cama de ferro, que outro sítio não havia onde ambos coubessem. A casa, uma das que compunham a fileira de sete justapostas, limitava-se ao espaço do quarto separado da acanhada cozinha por um tabique de fasquio.

Eva, abraçada a Abel, achou que aquele era o momento de jogar as cartas todas. Não se lhe entregou plenamente, preferiu conter-lhe a volúpia ao mesmo tempo que, de rádio ligado, criava uma atmosfera festiva dentro do quarto. Enquanto o abraçava sentiu que Abel trazia escondido no forro do casaco uma grande quantidade de papéis que seria, por certo, dinheiro, muito dinheiro. Eva não resistiu a pedir-lhe um aumento da mesada, pois o que lhe vinha a dar não chegava a nada. Abel, olhava à volta, descoroçoado. Afinal, Eva, que ele julgava poder vir a substituir a falecida mãe de seus filhos, só lhe cobiçava o dinheiro. Pior, ela sabia, agora que ele trazia consigo muito dinheiro, aliás, sabia do grande negócio que ele tinha acordado com um lavrador de Avintes…

Não terminara ali, sob o peso da desconfiança, apenas a vontade de uma noite de corpos cruzados. Descruzaram-se em absoluto as vidas de ambos. Abel bateu a porta como se receasse que ela, agora já uma cobra, viesse no seu encalço. Tinha-lhe pago a instalação de telefone em casa e lembrou-se que deveria correr para apanhar a carreira para Avintes, antes que ela telefonasse a algum tratante para o assaltar.

No dia 23 de junho, os jornais  diários do Porto davam conta de que já tinha sido identificado o cadáver encontrado na Praia da Escócia, em Avintes. Era o corpo de Abel morto com um tiro de caçadeira, despojado de identificação e do dinheiro que pretendia levar ao lavrador de Avintes.

 

 


domingo, 24 de agosto de 2025

Conto "A cidade que me escolheu" no livro _Porto, uma cidade com alma_

 

Porto, uma cidade com alma ( em 2 tomos), da Chiadobooks, no qual participei com o conto "A cidade que me escolheu" (tomo I), cuja protagonista tem como nome Ariana.

Pode ser adquirido no site da editora ou na feira do livro do Porto.



segunda-feira, 21 de julho de 2025

Comentários sobre a obra Entre o Hoje e o Amanhã.

 Alguns comentários sobre a obra Entre o Hoje e o Amanhã


Fernanda Coelho
"A perfeição não existe.
Mas podemos ser a cada dia um pouco melhores do que no dia anterior.
Uma palavra, um gesto, um olhar podem fazer a diferença num mundo cada vez mais egocêntrico, narcisista, materialista, esquecido que eu sou ninguém sem os outros e que sou alguém com os outros.
É sempre preciso lembrar palavras, gestos, olhares que revelem bondade, calma, confiança, gratidão e honestidade, os cinco princípios que Agostinha Monteiro - Autora não esquece nunca "

Entre o Hoje e o Amanhã: uma travessia de consciência e esperança

 


Entre o Hoje e o Amanhã: uma travessia de consciência e esperança

Entre o Hoje e o Amanhã, de Agostinha Monteiro, não é apenas um livro para ser lido – é um convite à escuta interior, um diálogo profundo entre o presente e o futuro, entre o que somos e aquilo que poderemos ser. Com a sensibilidade que lhe é característica, a autora propõe uma jornada reflexiva que transcende o tempo cronológico e mergulha nas camadas da existência humana, onde cada gesto do presente constrói, silenciosamente, os alicerces do amanhã.

Do ponto de vista pedagógico, esta obra oferece múltiplas possibilidades de abordagem. É, antes de mais, um excelente ponto de partida para a educação da interioridade, tema cada vez mais urgente numa sociedade marcada pela velocidade, pela dispersão e pela superficialidade. A autora convida o leitor a parar, a contemplar, a questionar. O “hoje” não surge como espaço fechado, mas como chão fértil onde se semeiam intenções, valores, escolhas conscientes. E o “amanhã”, longe de ser uma promessa vaga, torna-se responsabilidade ética: o reflexo de tudo o que se cultiva no tempo presente.

A linguagem poética e simbólica do texto permite ao leitor entrar num ritmo diferente do habitual. A leitura torna-se uma prática meditativa, quase ritual, em que cada palavra transporta densidade e afeto. A autora não oferece respostas prontas – provoca inquietações, e é nessa inquietação que reside a sua força formativa. Para o educador, este livro pode ser trabalhado como instrumento de desenvolvimento emocional e espiritual, em ambientes escolares, comunitários ou terapêuticos.

Num tempo em que a educação tende a privilegiar a produtividade e o desempenho, Entre o Hoje e o Amanhã resgata a importância do ser sobre o ter, do silêncio sobre o ruído, da escuta sobre a imposição. Convida a pensar o futuro não como fatalidade, mas como construção. E isso implica, necessariamente, uma postura ética e atenta no presente.

Em suma, a autora recorda-nos que cada gesto, por mais pequeno que seja, contém em si a possibilidade de transformação e que o verdadeiro amanhã não começa num tempo distante, mas no modo como escolhemos viver o agora.

Agostinha Monteiro